sexta-feira, 24 de junho de 2011

Ninguém sabe o que é o Aikido


Ninguém sabe o que é o aikido. Ninguém conhece. Hein? Isso é o quê? É esta a minha experiência.

Diria que em cada dez pessoas, cerca de duas sabem o que é o aikido. Isto é, em cem, vinte devem saber o que é o aikido. E estou a ser muito, muito generoso.

Isto se pensarmos na população portuguesa em geral, claro. Podemos ver a coisa da seguinte perspectiva: 1) população portuguesa em geral, 2) população portuguesa praticante de uma actividade física/desportiva/o que quiserem (karate, aikido, surf, ginásio) e 3) praticantes de artes marciais.

É claro que em relação ao ponto três a relação já não é de dois em dez. É muito superior. Mas que diabo, é normal. Se são praticantes de artes marciais à partida deverão conhecer o aikido. Afinal de contas, no meio, o aikido não é assim tão desconhecido como isso, digo eu.

Em relação ao ponto dois é capaz de a relação dois em dez ser também ligeiramente superior. Segundo dados do INE (Estatísticas da Cultura, Desporto e Recreio, 2005), este tipo de indivíduos (e aqui excluo as gentes do ginásio, penso eu) existem cerca de 450 mil praticantes inscritos em Federações Desportivas (entram nestas contas, claro, Federações como as de Judo e Aikido). Ou seja, se pensarmos estritamente nestes 450 mil praticantes do país, também me parece que a relação de dois em dez ou vinte em cem cresce um pouco.

Mas eu com esses posso eu bem.

E o resto?

O ponto um. A população em geral. Aikido? Isso é o quê? Come-se?

Ninguém sabe o que é.

Dito isto, pego agora no judo e no karate. As primeiras artes marciais a aparecer em Portugal.

E pergunto: mas alguém não sabe o que é o judo ou o karate? Sabem.

Note-se: não digo que a população saiba se no judo se manda bolas de fogo do rabo ou se no karate se manda pinotes, raios dos olhos ou assim. Não. Eu até acho que no geral nem se sabe concretamente o que se pratica (não tem mal). Mas sabe-se que o judo e o karate são uma coisa que diz respeito a outra coisa chamada artes marciais. Isto sim, a maioria sabe.

O judo ganhou forma em Portugal no final dos anos 50 do século passado. Actualmente o judo possui, segundo a Federação Portuguesa de Judo, cerca de 12 mil praticantes federados e possivelmente mais 4 mil não federados. Estamos a falar por isso de 16 mil praticantes (números de 2003). E entre 1997 e 2001 houve um crescimento anual de 12,3%. Muito bom!

O karate, que aparece em Portugal no início da década de 60 tem qualquer coisa à volta de 14 mil praticantes (federados, julgo, segundo os mesmos dados do INE, de 2005).

Já no aikido, segundo a Federação Portuguesa de Aikido, existe qualquer coisa como, números redondos, mil praticantes no país. Se pensarmos nos praticantes não federados poderemos talvez incluir mais uns 300, 400, 500? No máximo em Portugal poderá haver cerca de 1500 praticantes. E já é com boa vontade.

Neste mesmo documento é possível ver que entre 2004 e 2009 os números oscilaram entre os 800 e os mil praticantes. Ou seja, existem mil praticantes, mas à custa.

Como inverter então esta tendência de que «ninguém conhece ou sabe o que é o aikido?».

Pois, não sei. Se soubesse não estaria por detrás de um computador a mandar bitaites. Estaria nos lugares de decisão a executar mudanças.

Mas o que sei é que o que tem sido feito até hoje, apesar de nítidos progressos desde a introdução do aikido em Portugal em finais dos anos 60, tem sido manifestamente insuficiente no que à divulgação da arte diz respeito.

Este número de mil praticantes é paupérrimo.

Bem sei que o aikido tem «problemas» que artes como o judo, karate ou taekwondo não têm. Sendo o primeiro deles que no aikido não existe competição, não ganha taças nem aparece em jornais ou televisão.

Mas também não é bem assim. Recentemente Portugal esteve representado no SportAccord Combat Games 2010 de Pequim. Que eu tenha visto, nada foi comunicado na imprensa nacional. Vamos lá, portugueses na China, a representar o país. Mesmo que não houvesse taça para ganhar. Já vi notícias a saírem cá para fora sobre desporto com muito menos relevo. Mais uma oportunidade perdida de divulgar o aikido. Afinal sempre pode aparecer na comunicação social.

Outro exemplo: o 2º Encontro Nacional de Aikido para Jovens realizou-se ontem num maravilhoso sítio, em Sintra. Dos dojos mais bonitos do país.

Isto dá notícia, dá uma peça de televisão ou uma reportagem no jornal (nem que fosse num qualquer regional), se contactos tivessem sido encetados nesse sentido.

Uma excelente iniciativa em prol da divulgação do aikido mas não totalmente bem executada sob este ponto de vista.

Não sei a quem caberá a maior responsabilidade da falta de uma forte e boa divulgação do aikido junto da sociedade e do país. Se cabe à FPA (seja por ela própria ou financiando as associações) se às associações com os seus meios metendo mãos à obra.

O que sei é que ninguém sabe o que é o aikido e, a não ser que alguém ache que mantendo a arte «secreta» ou estilo «orgulhosamente sós» salazarista seja positivo para o aikido, urge então inverter esta tendência.

É premente transformar o rácio de dois em dez para três, quatro, cinco em dez que seja. Não tenham dúvidas, seria já uma grande vitória. Isto não significaria que em dez automaticamente cinco estariam interessados em iniciar a prática. Mas seguramente que paulatinamente mais e mais, por via de conhecerem a arte, iniciariam a prática.

Já não sei se foi o taekwondo, ou outra arte marcial qualquer, que esteve presente na telenovela Morangos com Açúcar. Imagine-se, ROI de borla (à partida). É com estes pequenos gestos, com estas pequenas iniciativas que se vai abrindo cada vez mais os horizontes da(s) modalidade(s).

O taekwondo, que surgiu em Portugal em 1974, tem quase tantos cinturões negros como praticantes de aikido: 747 (números de 2002). O estilo Songahm, em Portugal somente desde 1991, tem já cerca de 500 praticantes, metade dos praticantes de aikido.

Bem sei que estas artes que mais referi, nomeadamente o judo e o karate, por terem sido as primeiras e por terem competição (duas razões, assim de repente) são mais populares.

Mas que diabo, nada acontece por acaso. Não criemos bichos-papões.

O aikido também pode ser cool e apelativo sem perder, ao mesmo tempo, a sua sobriedade, etiqueta e disciplina.

Basta haver mais trabalho, empenho e dedicação nesse sentido. Actualmente o trabalho existente nesse sentido roça o zero, a meu ver. Resume-se ao simples website ou cartaz espalhado aí na rua no sentido de tentar angariar mais uns alunos para o «meu» dojo.

É insuficiente.

Assim, daqui a dez anos continuará a não saber-se o que é o aikido. Assim, daqui a dez anos dificilmente chegaremos aos dois mil praticantes. Será uma meta assim tão obtusa? Com trabalho, inteligência e criatividade tenho a certeza que não.

Esta reflexão não é, de forma alguma, uma crítica dirigida à FPA ou às associações.

É mesmo uma crítica a todos nós (eu incluído) pela deficiente divulgação que temos feito da arte ao longo dos anos. É uma crítica a todo o aikidoca português, seja ele homem, mulher, federado, não federado, dirigente, não dirigente, vegetariano, gordo, magro, alto ou baixo. Todos.

6 comentários:

André disse...

E posso acrescentar ainda que, segundo a IAF, países como a Bélgica, Finlândia ou Suíça (todos com menos população do que Portugal) têm mais praticantes do que nós.

Vinicius Brasil disse...

...e se não divulgar, vai continuar sem o povo saber o que é. Cartazinho e Site é para quem já conhece ou que se interessa em artes marciais ou esportes, aí entra no Google e no Youtube já procurando "Aikidô". Mas para quem não sabe nem que existe tal coisa? Como fica? Quer saber mais sobre o Aikidô do Brasil e do estado do Rio Grande do Norte? Acesse www.impressione.wordpress.com Abraços

André disse...

Olá Vinicius, bem-vindo :)

Tens razão Vinicius. E pergunto o mesmo: como fica? Também não sei. Só tenho vagas ideias.

Uma coisa eu sei, o Brasil, se não me engano, tem bastantes praticantes mesmo assim, não é?

Por acaso não sabes quantos há no total não?

Recentemente o sensei Wagner Bull veio cá e tive oportunidade de participar no seu estágio/seminário. Foi positivo.

O sensei Nishida também já cá veio mas infelizmente não participei.

Gostei do teu blogue. Irei acompanhar :)

Um abraço e volta sempre

Vinicius Brasil disse...

Olá André, o Aikidô no Brasil é bastante difundido, mas poderia se melhor divulgado também. O Brasil tem dimensões continentais, mas apesar do tamanho grande maioria dos estado tem alguma academia de Aikido, em contra-partida existe também pessoas que não sabem ou nunca ouviram falar do Aikido. Aqui temos várias Mestres (Kawai Shihan, Ono Shihan, Wagner Bull Shihan, Marcelo Tadeu Silva Shihan, Severino Sales, Makoto Nishida, Maruyama, dentre muitos outros. No link que segue você verá as 4 organizações mais proeminentes no Brasil - http://www.aikidobr.com.br/organizacoes/ - isso sem falar em outras menores e não tão divulgadas. Quanto ao nº de participantes, não há um controle sobre isso. O que posso te informar é referente aos faixas-pretas da organização que faço parte (União Sul-Americana de Aikido - Kawai Shihan - http://www.aikidokawai.com.br/pt/graduados-uniao-sulamericana-aikido.html - no link tem a graduação e os graduados. Se tiver disposição para contar, estão todos lá :). Agradeço a visita no Blog e digo aqui que o conteúdo de Aikidô do seu Bçog é muito bom. Já pensou em colocar este contéudo em um Blog só de Aikidô? Ficará muito bom. Já tem posts para tal. Fica a dica. Abraços.

André disse...

Vinicius, obrigado pelos links.

Não contei todos de facto, são muitos! :p

Ainda bem. Eu até acho que o Brasil é dos países no mundo com mais praticantes. E ainda bem.

Quando o doshu aí foi há uns anos parece que estavam em cima do tapete cerca de 2 mil praticantes não é?

Está bem que era o doshu... mas mesmo assim, é obra!

É muito positivo também para o vosso país terem tanto professor de qualidade e altos graduados. Isso ajuda o aikido a ganhar mais força ainda.

Obrigado pelas palavras simpáticas Vinicius.

É assim, nem me importava de ter um blog só sobre aikido mas não é fácil arranjar conteúdos novos e interessantes.

Preferi assim, um blog mais generalista onde o aikido tem uma boa parte dos conteúdos de forma ao blog ter mais vida e movimento.

Se fosse só sobre aikido, se calhar estaria mais parado e prefiro um bocadinho mais de vida.

Enfim... mas quem sabe um dia, claro :)

Obrigado Vinicius e um abraço!

Anónimo disse...

Concordo plenamente!
Antes de começar a praticar esta bela arte, não fazia a mínima ideia do que era. Nunca tinha ouvido falar.
Num país em que só se ouve falar de futebol, penso que os media não teriam assim à partida muito interesse em difundir o Aikido... :/
Há filmes como o "karaté kid", "o panda do kung fu" e os campeonatos de Judo que fazem com que essas artes se tornem "comerciais". Na minha opinião, deviamos encontrar um meio termo para a popularidade do Aikido... :D Aumentar a popularidade, contudo, sem esquecer os valores e tradições (não chegando ao ponto de se tornar numa arte comercial )
Temos que fazer alguma coisa para mudar isto! :D Vamos conseguir *-*

Arigatooo