segunda-feira, 14 de março de 2011

O Santo Graal




Convidado Pedro Lopes

Sempre tive muita dificuldade em encontrar alguma actividade que me satisfizesse totalmente. Prova disso é a quantidade de desportos que fiz ou experimentei e acabei por desistir. Fiz natação, futebol, basquetebol, equitação, atletismo, etc. E experimentei outros tantos que nem me recordo. O certo é que, por muito que gostasse, acabava sempre por desistir.

Virei-me, então, para as artes marciais porque sempre tive muita admiração por elas e pela cultura que lhes está inerente. Experimentei uma série delas, gostei de todas, mas nenhuma me fascinou especialmente. Comecei pelo Judo que, na altura, estava muito na moda; experimentei mas saí pouco tempo depois. Depois veio o Karaté (muito influenciado por aqueles filmes clássicos que todos conhecemos). Porém, mais uma vez, não me seduziu. Em seguida veio o Ninjutsu que também não me aliciou. Estava a ficar desesperado. Faltava-me alguma coisa…

Até que um dia oiço falar em Aikido num programa sobre Samurais. Despertou-me logo muito interesse. Seria desta? Bom, decido ir assistir a uma aula no Clube Nacional de Ginástica, com relutância. Quando entrei no dojo, deparo-me com a seguinte situação, um tanto peculiar para um rapaz de 14 anos: um senhor de saia a torturar as articulações de um pobre rapaz, também este trajando uma saia, ao mesmo tempo que falava inglês para um grupo de alunos muito felizes e sorridentes, com um ar que roça a crueldade. Pensei logo: “Epá… Queres ver que entrei no sítio errado?” Mais tarde vim a saber que o tal “senhor de saia” era o grande sensei Antoine Vermeulen, o “pobre rapaz” era o André, a “saia” era o Hakama, o “grupo de alunos muito felizes e sorridentes” eram os meus futuros companheiros e amigos e o “ar que roça a crueldade” é… Bom, foi apenas a minha perspectiva enevoada pela situação…

Depois do choque inicial, fiquei muito entusiasmado pelo Aikido. Eram projecções de meia-noite para um lado, chaves capazes de partir úmeros para outro, uma marcialidade digna de samurais, etiqueta japonesa, respeito pelos colegas e uma alegria contagiante entre todos. No fim da aula, o sensei Francisco Leotte, responsável pelo dojo e que viria a ser meu sensei, deu-me as boas vindas, falou-me um pouco de Aikido e convidou-me a participar na próxima aula. E lá fui eu, todo equipado e fanfarrão para ter a minha primeira aula, com ideia de que ia partir braços a tudo o que me aparecesse à frente (digamos que rapidamente percebi que o Aikido não é isso). Lembro-me que foi com o André (“o pobre rapaz”), que me impressionou bastante pela sua tenra idade, mas com um Aikido impressionante, e por isso se tornou imediatamente num “ídolo”, se assim se pode dizer. A aula consistiu, muito resumidamente, em conhecer um pouco a história do Aikido e aprender a adorar o chão, ou seja, aprender a cair (sempre difícil para um bípede…). Ao longo das aulas, o Aikido depressa se tornou altamente viciante.

Queda após queda, técnica após técnica, fui descobrindo o Aikido, mas uma coisa permanece igual, aula após aula: desde o momento em que o sensei inicia a aula com um marcialismo e etiqueta comparáveis a um samurai, o meu cérebro desliga-se de preocupações do dia-a-dia, permitindo que apenas sinta o Aikido, ou seja paz e felicidade. Fisiologicamente falando, fico inundado num caldo de endorfinas e catecolaminas opiáceas, caio numa cascata de sinapses e oxigeno até à célula mais remota do meu corpo.

Além disso, ganhei vários amigos, um espírito de família, de camaradagem e de alegria. Ganhei também um sensei que, para mim é mais do que um professor, é um tutor e um modelo a seguir.

O Aikido é o meu Santo Graal. Encontrei-o finalmente!

Dissertação da autoria do convidado Pedro Lopes


Nota do blogueiro:

O Pedro Lopes já escreveu este texto há algum tempo apesar de só agora o publicar. Faço, desde já, aqui o meu mea culpa.

O Pedrinho... O Pedrinho faz lembrar aquelas pérolas, aqueles diamantes em bruto saídos das escolas de futebol: com uma fisionomia quase nata para o Aikido (além de jovem é flexível, maleável, esguio quando necessário, muito redondo e por isso com um ukemi fluído), com muito talento e ainda por cima muita humildade e muito querer. Além disso, augura-se-lhe um futuro muito promissor. Mas tal como os jovens que saem das academias de futebol, está quase tudo do lado deles: a força de vontade, a persistência e sobretudo muito trabalho!

Para o bem e para o mal, o Pedro é daqueles uke (atacante) que nos fazem parecer que temos um Aikido melhor do que verdadeiramente temos. Se por vezes isso pode ser enganador quanto ao nosso nível técnico, também de vez em quando não há-de vir mal nenhum ao mundo por causa disso.

O Pedro é já cinto azul. Peca somente por a sua regularidade nem sempre ser a ideal numa arte que é tão difícil.

Estuda Biologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e tem como hobbie, além do Aikido, tocar guitarra.

Obrigado Pedro pelo teu belíssimo texto! Depois de o ler, não há outra hipótese senão ficar «inundado num caldo de endorfinas e catecolaminas opiáceas»... :)

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