sexta-feira, 18 de março de 2011

Afinal, se é da paz, é Arte Marcial porquê?





O Aikido é muitas vezes apresentado como «a arte da paz». De seguida, a pergunta é quase inevitável: «então se é arte da paz, é arte marcial como? Marcial vem de guerra, logo, guerra é destruição, morte, sangue, combate. Como pode ser uma arte marcial uma arte da paz?» - ainda recentemente ouvi esta questão ser colocada numa entrevista feita a um sensei brasileiro numa TV do seu país. As respostas podem ser várias, mais consistentes ou menos consistentes.

Aikido - O Desafio do Conflito é um livro do sensei Masafumi Sakanashi, radicado na Argentina desde criança e com uma forte expressão aikidoca nesse país. O preâmbulo da obra é escrito por Claudio Veiga, o Director Editorial.

Ainda que não creio que Claudio Veiga estivesse a responder à pergunta de porque é que o Aikido é a «arte da paz» - penso que foi simplesmente um raciocínio que lhe escorreu, a bruto -, julgo que deu a melhor resposta possível a essa questão ou a outras discussões semelhantes.

Segue o excerto, já de seguida, de um texto muito consistente e interessante.


"O Caminho do Guerreiro"

As artes marciais, sejam elas originárias do Extremo Oriente ou do Ocidente, surgiram - como indica seu nome - ligadas à guerra, em épocas em que o homem de armas enfrentava cara a cara a morte no campo de batalha. Recorde o leitor que estamos nos referindo a toda a etapa anterior à introdução das armas de fogo na contenda bélica. A luta corpo a corpo (com ou sem armas) era a norma e ali o guerreiro devia enfrentar permanentemente a possibilidade de matar ou ser morto; por isso, paralelamente às destrezas de ordem técnica, tornou-se imperioso dotá-lo de um sistema conceitual que lhe permitisse enfrentar equilibradamente, no plano espiritual, essa dramática alternativa existencial: conviver com a morte.

Do seio das grandes religiões do Oriente, sobretudo do Budismo, do Taoísmo, do Confucionismo e mais tarde do Zen, com efeito surgiram diversos códigos de ética, como é o caso do Bushidô, entre outros (século XII, Japão).

No Ocidente, por outro lado, foi a filosofia grega seu sólido embasamento teórico.

Séculos mais tarde, as armas de fogo ocuparam o centro da cena na guerra e as artes marciais (tal como eram conhecidas até então) começaram a tornar-se anacrônicas, enfrentando assim uma possibilidade concreta de extinção.

Contudo, no Oriente, seus expoentes mais lúcidos propuseram uma alternativa tão coerente quanto necessária, que lhes permitiu evoluir e adaptar-se à nova realidade e posteriormente aos requerimentos da moderna sociedade democrática.

Os antigos Mestres de Armas, formados na guerra real, conheciam a partir de sua própria experiência que o homem é essencialmente um animal social. Assim o definiria com total precisão, séculos mais tarde, a escola antropológica clássica. Estudos da psique e do comportamento humanos confirmariam em seu tempo que o instinto agressivo é inato e que a influência do meio social onde se educou a pessoa é determinante para que essa tendência se agudize ou possa ser controlada.

Então, no Oriente, quando as artes marciais deixaram de relacionar-se diretamente com a guerra, passaram a constituir sistemas de educação psicofísica, baseados na prática regular de técnicas de autodefesa com ou sem armas, orientadas a sublimar a natural agressividade humana, voltando-se para o crescimento interior do indivíduo, para uma experiência espiritual profunda e para fins socialmente úteis. Tornaram-se, em síntese, disciplinas formativas que visam produzir uma mudança na estrutura moral da própria personalidade.

(...)A presente obra apresenta as diversas Artes Marciais e Esportes de Combate como verdadeiras escolas de vida, capazes de contribuir para a educação de valores dos indivíduos - sejam elas crianças, jovens ou adultos - esses valores que são indispensáveis na formação de pessoas honestas e cidadãos responsáveis.

Claudio Veiga
Diretor Editorial

2 comentários:

Rui Santos disse...

Impresso e afixado à porta de cada DOJO... para ser lido pelo menos uma vez por mês... para que ninguém se esqueça do "porquê"... e para que quem entra pela primeira vez saiba ao que vem.

André disse...

Rui, para que "saiba ao que vem". Dizes muito bem! Tocas na ferida... e acho que muitas vezes não se conta a história toda com medo de se ter menos alunos no tapete (porque afinal de contas, nós hoje vivemos numa MacSociedade). Da minha parte, tento sempre contar a "história" toda. Este texto caminha de facto nesse sentido, acho eu. Obrigado Rui pelo comentário! :)