segunda-feira, 28 de março de 2011

Explorando o “AI” de Aikido





«Na prática do Aikido fui, muitas vezes, defrontado com a necessidade de estabelecer a harmonia entre o tori e o uke.

Ao tentar definir "harmonia" cheguei à conclusão que tinha uma noção do que era mas, na realidade, não tinha uma noção completa, já que parecia que o seu significado era muito mais completo do que aquele que eu conseguia definir.

Desta tentativa de perceber o alcance deste significado, nasceram alguns escritos que, depois de apresentados e complementados em grande parte pela minha querida amiga Margarida Macedo, deram origem ao ensaio que vos envio.

Espero que a partir dele possamos viver o nosso Aikido com mais Harmonia.»

Foi esta a mensagem que recebi do meu amigo Tito Simões juntamente com um texto sobre o kanji AI, de Aikido.

Queria agradecer em primeiro lugar ao Tito e à Margarida Macedo, professora de Filosofia e praticante de Aikido, por produzirem um escrito de relevo sobre a arte e, em segundo lugar, por mo deixaram publicar no meu blogue.

Posto isto, vamos ao que interessa!



Explorando o “AI”

Como é do conhecimento geral Ai Ki Do tem na sua constituição a palavra Ai que se traduz, naturalmente e sem grande questão, como Harmonia.

Por outro lado, quando na prática Aikido, insiste-se sempre que uma técnica só se torna perfeita quando, entre outras coisas, o tori consegue “harmonizar-se” com o ataque do uke.

Todos utilizam o conceito de harmonia neste contexto, mas será que se sabe efectivamente o que estamos a dizer para além do significado que intuitivamente assumimos?

Tem esta tentativa de ensaio o objectivo de tentar analisar e pormenorizar a dimensão do conceito de Harmonia, tal como o herdamos etimologicamente, assim como da tradição da filosofia grega.

A motivação deste melhor entendimento do significado de Harmonia no contexto dito “Aikidoka” advém do termo ser utilizado equiparado com o conceito de “união”, referindo-se, na prática, à relação do tóri com o uke. Parece, de imediato, que este conceito não reflecte completamente o inter-relacionamento necessário para a concretização óptima das técnicas, mas convém analisar os termos e os conceitos, dando primeiro destaque à HARMONIA.

A palavra portuguesa Harmonia tem origem no termo grego “armonía”.

Este termo podia, de facto, ser também usado no sentido de “união” ou ajuste. Um outro termo grego aparentado com este - “armós” significava encaixe ou junta, e herdando daí o Português termos como “armar”, pelo que entendemos bem o sentido deste aspecto semântico.

“Armonía” pode ser usado no sentido de governação e significar lei, ordem.

O termo pode ainda ser usado no sentido psicológico de temperamento.

E, finalmente, pode usar-se o termo no campo musical, significando acordo de sons, numa justa proporção. Na música pode aplicar-se à vibração dos sons ouvidos em conjunto ou simultâneo, mas também no sentido de estilo musical, à cadência, ou aspecto rítmico do som.

Outro adjectivo derivado do termo grego “armonía” significa agradável, conveniente.
A partir deste ponto, convém compreender o papel do contributo dos Pitagóricos, os filósofos gregos do séc. VI, na articulação dos, aparentemente diversos, campos semânticos do termo “armonía”.

Para os Pitagóricos a harmonia musical era um dos aspectos manifestados da harmonia cósmica, pelo que a música exprimia a verdadeira harmonia do Todo.

Para eles a matemática, incluindo nela a geometria, permitia compreender algumas dessas relações harmónicas e era, ela própria, mais uma manifestação, ao nível da inteligência, desse acordo universal que regula a vida.

Pitágoras chega a descrever a proporção matemática entre os comprimentos de diferentes cordas de lira e encontra a respectiva co-relação na proporção entre as notas que cada uma dela produz.

A intuição de Pitágoras é fascinante tendo-o levado a ver o mundo como um complexo jogo de harmonias, traduzíveis em números e em música, que se pode aproximar da descoberta moderna dos fractais da física, estes, compreendendo desde as diferentes escalas desde a galáxia ao ser unicelular, ou ao reconhecimento dos músicos a moderna música atonal (com as chamadas dissonâncias) que podem manter a noção da harmonia Pitagórica e continuar a encontrar formulações matemáticas nos novos sistemas tonais.




Tudo isto mantém em aberto uma perspectiva sempre actualizada deste conceito de Harmonia, que, pelos vistos, parece resistir às mudanças socioculturais da sua aplicação.

Para os Pitagóricos este mundo é um cosmos ordenado de que o ser humano tenta conhecer as leis da harmonia e respeitar as justas proporções.

O que o fizer é sábio pois vive de acordo com as leis da vida.

Os filósofos (amigos do saber), que são matemáticos, geómetras e, acima de tudo, músicos e dançarinos, tentam aproximar-se dessa compreensão e transmiti-la aos que estiverem preparados.

Estaremos a falar por outras palavras de AI KI?

Do que foi referido, a Harmonia como conceito ocidental, chega-nos a partir do termo grego, relacionando a Beleza, a Proporção e a Ordem sendo necessário, para compreender melhor sua totalidade, entender o significado de cada um destes elementos constitutivos.

Assim:

A Beleza deve ser entendida como uma experiência, um processo cognitivo, mental e espiritual relacionado com a percepção de elementos que agradam de forma singular aquele que a experimenta.

Numa linha pitagórica, poder-se-ia dizer que há uma proporção adequada entre o sinal emitido pelo objecto e os valores do ser humano.

A Proporção, por seu lado, tem que ser entendido como uma relação entre grandezas, uma relação binária que pode ocorrer numa dupla de funções reais do mesmo domínio.

O elemento mais difícil de integrar no conceito de Aikido poderá ser o da Ordem, já que, desde a Idade Moderna, principalmente, este conceito se foi separando em vários componentes que estão agora, para a mentalidade moderna, algo dissociados.

Teremos, em primeiro lugar, a Ordem Natural, aquela cujas normas se aplicam de forma invariável e constante independentemente da vontade do homem, nível este que inclui, desde a Idade Moderna, as leis da física, da astronomia, da natureza em geral, aquela que os cientistas tentaram compreender, não em todos os campos, é certo, mas através de princípios matemáticos.

A Ordem Moral deve ser entendida como a que visa o aperfeiçoamento do indivíduo dirigindo-o para o bem, aquela que é consequência de um conjunto de imperativos impostos ao homem pela sua própria consciência ética e cujo incumprimento é punido, principalmente, pelo seu arrependimento ou remorso, mas, também, pela rejeição ou marginalização pelo grupo em que o individuo se insere.

A Ordem Social é aquela que norteia a conduta do homem em grupos.

Através da Ordem Social o grupo mantém a organização dos seus elementos.

Quando o indivíduo deixa de cumprir os seus preceitos, as consequências são as que a sociedade lhe passa a impor, sendo, por isso, a Ordem Social a regulação da relação entre o individual e o colectivo.

Fundamental para este aspecto da Ordem são os princípios da dependência que lhe estão subjacentes, referindo-se à integração do indivíduo no grupo e à sua visibilidade, consequência da observação feita pelo grupo e da aplicação das relações, elementos que consolidam o grupo.

Por isso, o sentido a dar à Ordem no conceito Harmonia deve ser aquela que engloba a Ordem Moral, a Ordem Social e a Ordem Natural.

Concluindo, aprendendo a praticar o Aikido com Harmonia, ou qualquer outra arte como seja a boa música ou a boa dança, reaprende-se a viver e manifestar a Harmonia Universal que é prévia e organizadora da vida, seguindo a justa proporção do Cosmos.

Quando aquela interacção não se dá com fluência, desrespeita-se a Harmonia, a justa proporção das forças, a beleza do movimento, contrariando a ordem existente dentro do grupo e do universo.

O Tori e o Uke ficam desunidos entre si e da ordem universal.

Assim, esta harmonia é reencontrada pelo Uke e pelo Tori quando a sua mútua interacção flui, manifestando-se a ordem do mundo e a união de todos os elementos num justa proporção de velocidades, distâncias, pressão, etc.

A prática do Aikido pode então realizar-se na sua execução óptima e cada interveniente progride também harmoniosamente, em termos de técnicas de execução, com Ordem Moral e com a integração nas leis do Cosmos.

Sem comentários: