segunda-feira, 20 de junho de 2011

Delicioso




E devo muito daquilo em que me tornei ao grande Aurélio Pereira. Foi o meu segundo pai. (...) Lembro-me dos treinos em que apareciam lá uma pessoas importantes (leia-se: ricas). Bem relacionadas com os elementos da direção. Queriam pôr os filhinhos a jogar connosco. Basicamente, ele era forçado a pôr esses meninos a treinar. Mas não tinham qualidade. Chegavam ali por influência dos pais e não por mérito próprio, ao contrário de quase todos os que faziam parte daquele plantel. Um dia chamou-me e fez-me um pedido. «Estás a ver aquele miúdo? Vou pô-lo à tua frente. Quero que o partas todo cada vez que tiveres a bola.» Assim fiz: dei tantos nós cegos no miúdo que lhe deixei os olhos a saltarem das órbitas. O Aurélio, que assistia a tudo atentamente, chamou o pai dessa criança: «Está a ver isto? O seu filho não dá para o futebol.» Quando ele não podia, era eu que me oferecia. Via um menino com pinta de betinho a chegar ao balneário e ia logo ter com o Aurélio Pereira: «É para parti-lo todo, ou só um bocadinho?»

Era assim que despachávamos aqueles que se intrometiam no nosso trabalho. Aqueles que julgavam poder transformar os filhos em jogadores de futebol apenas porque tinham dinheiro e poder. Eu não tinha uma coisa nem outra. Mas tinha talento. E muita vontade.

in Paulo Futre - «El Portugués» por Luís Aguilar.

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