sábado, 18 de setembro de 2010

Ueshiba sensei



[Foto roubada do Aikido Journal]



Morihei Ueshiba foi o fundador do Aikido. Por isso, e por ter sido a pessoa que deu à luz este estilo de vida, cerca de um milhão e meio de pessoas em todo o mundo no início e no fim das suas aulas homenageiam O'Sensei - como é carinhosamente chamado pelos praticantes, significando grande mestre ou grande professor. Uma forma de agradecimento, esta homenagem.

A razão, creio eu, é somente essa. O cerimonial, a saudação ou a vénia do começo e fim do treino, representa isso. Se representar algo mais para alguém, não sei. Mas O'Sensei não é nenhuma divindade. Foi um homem, como tantos outros. Um homem com uma grande visão e com grande carisma segundo parece. E isso, claro, é raro. Será por isso recordado, seguramente, por muitos mais e bons anos. Condecorado pelo governo japonês em 1960, por exemplo, Morihei Ueshiba é um nome que ficará nos anais da história. Mas sobre O'Sensei muita literatura online e sem ser online é possível encontrar, pelo que não irei muito a fundo nesta matéria, até porque não estaria à altura para o fazer - nem é meu objectivo.

O que me traz aqui a este post são outras reflexões.

Nas minhas aulas é raro invocar as memórias de O'Sensei. Sinto-me desconfortável em fazê-lo. Porquê? Primeiro porque é uma figura de outra galáxia, de outro universo, de outra cultura, de outros tempos, de outras vivências, ou seja, uma figura que, ao nos referirmos a ela, o que quer que dali saia será sempre algo com um toque de esoterismo. E isso, não é o meu estilo, como racionalista que sou. Segundo, porque é muito difícil falar de O'Sensei e em que consistia o seu Aikido. O seu Aikido nunca foi tão palpável como é hoje o do seu neto ou como foi o do seu filho. Mudava a seu bel-prazer e, mais importante, mudou e muito ao longo da sua vida, desde os tempos em que era um puto novo com trinta e poucos anos até ser um puto velho com setenta e tal anos. O seu Aikido sofreu transformações evidentes. Falo de evolução, claro. Evoluiu! E ainda bem que assim foi.

Existe aquela história em que um fotógrafo (ou qualquer coisa parecida, mas fotógrafo, para a história, encaixa melhor no que se pretende contar - cá está o que falava... a constante falta de palpabilidade da coisa) foi ao dojo de O'Sensei vê-lo a executar algumas técnicas. Ueshiba executa umas atrás das outras enquanto o fotógrafo vai tirando fotos. De repente, o fotógrafo interpela O'Sensei pedindo-lhe que repetisse a mesma técnica outra vez, para efeitos de fotografia. O'Sensei executa novamente a técnica, mas já fez uma outra, diferente. O fotógrafo questiona-se, «eu tinha-lhe pedido para repetir, executou outra diferente», ao que Ueshiba retorquiu «claro, ele atacou de outra forma!».

Demonstrativo de como o Aikido de O'Sensei era o mais puro possível. Emanava Aikido por tudo quanto era sítio. Isso era O'Sensei. Isso. Aikido em forma humana. Felizmente tive a honra de aprender com outros professores que se aproximam desta natureza de Aikido em forma humana. São poucos, mas alguns alcançam esse estado e alguns são ainda vivos. Outros, infelizmente, já lá vão.

Ora, é por sermos todos uns comuns terrenos, eu mais os meus caríssimos alunos, que me é difícil invocar o sensei Ueshiba. Mas já o seu neto, Moriteru Ueshiba, actual doshu, é alguém que invoco com muito mais facilidade. Já para não falar, em cascata, que me é mais fácil referir senseis mais abaixo no chain of command, e mais fácil fica quanto mais abaixo for.

Porque falar de divindades, coisas lá longe, por vezes obscuras e que não compreendemos de uma forma total (eu não, pelo menos), prefiro abster-me de entrar por esses caminhos.

Prefiro fazer referências a algo com que tive contacto efectivo. Isto é, gosto de tentar transformar um treino de Aikido no mais palpável possível, no menos esotérico possível (mas não descarto a vertente filosófica ou mesmo a espiritual), e no mais rigoroso possível em termos de respeito intelectual connosco próprios.

Porque enveredar por uma situação de conclusões estilo conversa de café considero um desrespeito para com o Aikido.

Quando não se sabe do que se fala, não se deve falar.

Não sei muito de O'Sensei, logo, falo pouco dele. Nunca o senti, nunca o toquei, nunca o vi, nunca o ouvi, nunca ele me tocou, nunca falámos. Não o conheço.

Do mesmo não posso dizer de outros grandes mestres. É nestes em que me apoio. É nestes que consigo passar a mensagem mais sincera e mais genuína aos meus alunos.

O'Sensei que me perdoe, mas é o meu sentimento e funcionamento. Perdoar-me-á com certeza, quanto mais não seja naqueles poucos segundos em que olho para a figura dele no cerimonial de início e fim de treino em que agradeço sinceramente o facto de ter dado à luz um estilo de vida que acontece ser o meu. Agradecimento e sentimento este que guardo para mim e não partilho com mais ninguém.

Bom, acaba de ser partilhado num blogue público. Mas não faz mal. É diferente.

;)

2 comentários:

Evgeniy disse...

Como te compreendo meu amigo...
abraço

André disse...

Eugénio, obrigado pela comentário :)

Abraço amigo!